CADERNO DE TEXTOS

Caderno de Textos, uma soma de breves e várias tentativas para dar início a uma narração ou crónica...


TEXTO 1
Passeava de mansinho perto de uma casa abandonada. O sol de Outono, enganosamente, germinava ervas daninhas entre as folhas caídas e apodrecidas nesse dia soalheiro e melancólico. No meio, soavam alguns sons frenéticos e agitados, como se de neurónios electrizantes e dopados de trata-se. Era a angústia que elaborava tais imagens no deslocamento à solidão sentida e desmedida dos meus pensamentos, sem os poder comunicar com ninguém. Sim, comunicar, num sentido de um qualquer interlocutor que fosse, e me ouvisse e compreendesse nesse Outono primaveril que se apodrecia cada vez mais e se aproximava do Inverno.
O mar ripostava num certo brilho de desafio e longevidade que atiçava as folhas caídas de coragem para a boa primavera desejada e interiorizada nos pensamentos.
Desfraldei-me do cinto apertado e fiquei nu ao sabor do vento tão apetecido e refrescante, que demorei mais duas horas nesse estado febril. Ao dar conta do tempo, assustei-me, pois o sol, já se esmorecia pelo horizonte incerto e sonhador, na revelia e coragem que me impôs para o sonho e o adormecer desejado ...
1997



TEXTO 3
Naquela casa toda a gente argumentava e eram poucos os que ouviam, que se detinham para além dos olhos vivos do outro que se entretém a fazer crer aquilo de que não sabe.
10/98


TEXTO 5
Chego a casa na mala do carro, concentrado nas rodas e no vento que bolina sem se ver. A velocidade fascinava. Recria-nos o que de melhor eu posso ver, não vendo. É híbrida a forma volátil como as coisas se transformam e nos sobrevoam. É maravilhoso a paixão atroz e rebelde da viajem que nos ilumina a noite e o dia no qual vagueamos constantemente. O sonho é mais forte ... por isso vivemos. Mesmo quando a luz cintila os sentidos e o cansaço emerge como expectativa que flutua; não há pesar que esmoreça o sonho e a beleza de o viver.
... só podia ver-me naquela leveza que por momentos me arrasta e confia a solitude de me ver...!
10/98


TEXTO 7
Salvem-me deste mundo de gente troglodita, que mais não é que uma miscelânea de egoísmos misturados e sincrónicos. Já ia longe sem peso nem medida, sempre desfalcado do essencial, da alma, do interior que gera a felicidade de cada um de nós. É como se fosse ontem, outra vez ontem, e mais vezes seguidas ontem sem sequer nos darmos conta do que se passa em alturas vãs. O vil que há em mim e a fortuna de o poder viver desperta-me o que de melhor eu vivo e posso aceder, por vezes, por instantes ténues e sem sentido, rebeldes e perdidos na vã glória de poder ver e escolher o sucedido. Salta-me à memória, a pesada memória do outro que em mim é genial e se sobressai sem nunca conseguir dizer o que realmente sente e que lhe vai na alma, na mente.
És tu, beleza cruel, simpatia perdida e refém do desejo que se emerge num instante de deleite e prazer são. Confessa-te em surdina, confessa-te na alma que para trás deixaste e olha-te ao espelho da virtude que desde à muito te despreza, e que és tu e apenas tu. Salva-te de mundos perdidos e lamacentos, pobres e puribundos, o presbítero só existe quando muitos se perdem nesses mundos sem alma e coração. O interior fica esquecido, frio e distante, da visão do momento, da imagem que te absorve e envolve constantemente, percorrendo a ilusão de mais um momento, de mais um sentimento, ... mais um, e apenas mais um qualquer ...
A poção mágica de rejuvenescer, o elixir da vida, o olhar briorento de paixão,  o verdadeiro amor iniciático.
10/98

TEXTO 9
Para Sheila,
Uma infinidade de instantes que eu estou contigo, de ansiedades, de momentos felizes e audazes ... e contigo eu os sinto. Por vezes, encarece-me as palavras, de tal modo que nada consigo dizer, pensar, atribuir ou expressar. O mar, o sol, a natureza que em ti me desperta e me energiza, essa imaginação volúvel, solta, que respiro em toda a parte, é uma chama que não acaba e não se parte ... apenas se prova e me envolve constantemente.
Depois da paixão ..., a amizade ternurenta e perigosa, volátil e catalisadora, suave, revolta, sincera e ... também cega, que apenas com guerras e tréguas, suas feridas e torturas, despistes e queimaduras, se vigora crescendo... Algo se fere quando o desejo se perde numa e noutra forma desperta no além. As forças, a alma, não quebra quando o laço é sincero e mais forte que o pecado que nos sustém.

10/98


TEXTO 10
Arrasado e cansado, o vazio cerca-me o coração. A ideia estonteante de morte apoderou-se constantemente desta alma enfraquecida, sem energia. O cansaço ténue e subtil cogita na mente, mente ofusca de memória; coloca medo e escuridão em qualquer lembrança que ocorra. É no peito que a alma sofre em momentos de perturbação desmedida. Presença interna, apenas no olhar e no calor do exterior. A mágoa que penetra nesta solidão e num certo sentimento desolado de viver, no desespero de ceder ao que a alma pede, em tão profunda agonia. O Ser no nada, fenomenológicamente explícito e conflituoso, que em águas turvas caminha nesta já longa dualidade e perseverança.
Dio mio, que nublina envolveu este marinheiro que apenas ama a viajem e agora fica parado e perdido em laços, terras e batalhas que não pretendeu, mas nas quais se ultrpassa no interior do seu barco. Não há coleccionismo destes trajes e conflitos interiores à emanação do seu ser. É tempo de ruptura para com aquilo que não quero, mas que preciso de viver, de perder, na viragem crítica ao caminho de uma evolução envolvente, um país distante, um perto do fim que se recusa a ser.
11/98


TEXTO 11
O vale visitado hoje era mágico e imponente, impunha-se a tudo o que se julgava grande e vivo ... o suficiente ao subestimar-me. A proeminência do seu altar, olhando o mar na cauda da Europa, como todos lhe chamam, era de uma enorme beleza e de uma infastidiosa oração que demora em soltar. Algo brilhava neste horizonte, que achado de improviso, de uma inacção já vivida, ressaltava-lhe aos olhos a paixão já contida, e muitas vezes submersa, de compaixão e apelo ao amor divino. Tudo aqui é mágico, o olhar, o gostar, o sentir, o cheirar, que tudo unido num pensamento reflectia a ascese de saber estar.
Muitas vezes lá voltarei ...
11/98

TEXTO 12
Parecia tudo uma ilusão, uma cena fantasmática, onde me tinha fixado num momento de deslumbre, de ódio e paixão. O ritmo era suave, agonizante, mas embalador como uma viajem de comboio onde o sono leve se transforma em sonho e em realidade desviante, e, outras vezes, tresloucada.

Sentia-me nu, como se todos soubessem quem eu era, o que eu queria e procurava, qual a minha angústia ou ilusão. Eram todos fantasmas que navegavam em perfeita sintonia nas minhas vontades e desejos... e eles conheciam-se a todos também, até mesmo aquele mais defendido e tantas vezes esquecido num mar solitáro. Não, não podia ser! Eu estava embevecido e lavado da loucura de outros tempos, simples e humilde com a minha posição. Estava nu, sim, e estava apenas comigo e era isso que fazia confusão. Há quanto tempo! ... Sim, houve um homicídio na minha vida, e agora, ao conseguir-me lembrar desse momento, compreendi o meu espanto e a ilusão do momento anterior. Estive morto e desapareci. Traí o que me era verdadeiro e, sem razões, vesti-me e idealizei a minha morte ao mesmo tempo que a vivia segundo a segundo, e tentanto sentir-me bem. O desespero de sentir-se amado amando os outros, secos de sedução, sempre vendo a morte num abismo de ilusão. Sem fim ... No entanto, entrei, estava eu e só eu, ... apenas eu, mas ... apetecia-me partilhar alguém. Uma, duas, três musa com as quais harmonizasse umas notas soltas ou uns cânticos de sedução! ... como a morte nos deixa inseguros de sermos o que somos e vermo-nos como queremos ser!?
Enfim, voltei-me para bombordo, mas mesmo assim não consegui permanecer! Algo me chamava, algo belo, de encanto e beleza inerente que uma vez mais me atraiu. Entrei de novo e rompi a névoa da ilusão imaginada a bombordo, momentos antes! Humildemente sentei-me perto do que, noutros tempos, chamaria a uma enorme beleza exterior, sem palavras, apenas luminosos momentos consequentes de atracção e sentimentos galantes. Sim, era o fugir à sorte ...

Entrei no café e pedi uma cerveja.
...
1998


TEXTO 13
É óptimo saber que estive contigo, que partilhei essa presença e que a irei partilhando p’lo resto da minha vida. Porquê procurar guerra se a paz acalma os gritos e o murmurar do pensamento. A paz pode significar afastamento, cada um na sua, e a guerra significa um encontro de ideias e sentimentos constantes. E quem se prepara para isso? E porque a verdade nos magoa a nós todos e também não podemos viver no fingimento, na farsa, ... nunca mais te esquecerei!  A falacidade da razão é uma constante no nosso pensamento, eleva-nos mais além, na espiral do erro que se aperfeiçoa cada vez mais. Um pequeno contributo à sabedoria, ...
Amo-te como sempre te amei.


TEXTO 14
Quando bateu as oito horas, o despertador tocou. A manhã caía manhosa e friamente no meu quente e saboroso ninho de amor. Sim, era um ninho de amor, pois estava livre de vaidade e sujidade que tanto nos agasalha por estes tempos. Era uma manhã fresca e ternurenta, mal me apetecia sair dela. Queria-a tal como a vi chegar, suave e envolvente como a tradição.
Passaram duas horas naquele sono inerte e sonhador, onde as mágoas, os sonhos e os desejos se unem e brincam com paixão. Muita coisa se realiza e se sente nesses pedaços de vida. No entanto, o dia bate à porta, e o amor por mim espera como o sol por detrás do temporal espera o silêncio e o ritual dos martírios terrenos, dos gritos pouco sumarentos, de forma a nos poder aquecer depois.
Pedro nunca pensava na forma como as coisas são híbridas ...


TEXTO 17
Foi naquele Outono chuvoso que tudo começou. Os dias já cansavam à muito a sua disposição. Foi como que uma espera longa onde as coisas chegaram ao ponto de se situarem todas num marasmo, umas vezes suave, outras um remoinho doente sem qualquer tipo de solução. Era assim que Pedro via a vida nesses seus últimos dias antes da revolução.
O dia amanheceu por entre uma aurora brilhante e de um azul turquesa que fazia qualquer um sentir-se a levitar ao presenciar este espectáculo á sua frente.

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