POEMAS: O PRIMEIRO DECANATO



1993




Ao longe te vejo,
Nos olhos te quero,
No corpo te sinto,
Na Alma te espero.


Março


VIL
Correndo atrás de emoções
Com palavras de encantar
Ao muro eu chego,
Mas o muro não consigo saltar.

O presente vou vendo
Pelo que vou passando.
O passado relembro, e
O Futuro vou imaginando.

Daqui não consigo sair,
O que haverá mais além?
Um presente diferente?
Ou o Futuro de alguém?

Vontade não me falta de daqui sair,
Encontrar algo de novo sem ter de fugir.

Olho aquela nuvem,
Nuvem certa e comovente,
Quem me dera ser nuvem
Apenas para não olhar só de frente...


Março


UTOPIA 

Viver o quê? Viver de quê?
O sol que espreita por essa luz térrea que vê
O sonâmbulo sonhador de um eterno estado,
Que ilumina insólitos passos dados.
Não, não é assim tão simples!
Não, não é tudo e só passado!
Não,
Pois não sabes,
Que por um passado
Se dirigem agora caminhos inesperados
Onde algo nos atrai,
Algo puramente leve
e que não mais irá cessar!

Sem data


Não posso!
Algo me cerca, algo me domina!
O tédio enraizado nestes longos cabelos
Já demora e não reverte.

Águas moles em saco cheio e já sem vida,
Já não correm por medida, pela medida
Que se despreza a ela própria por estar perdida.

Não posso!
Corta o tédio emanador de corrente
E acorrenta este oblíquo pensamento
Deste peso sem medida,
Libertando essa alma perdida.

Dezembro


Pensa,
Mas pensa bem!
Não exageres, mas não te contentes,
Não mudes, e não fiques;
Não desistas, não pares;
Desconcerta mas não te atrases.
Diz e rediz, escreve e descreve, mas... Mas...
... Pensa,
Pensa bem!
Dezembro 


ESPELHO MEU

Não percebes?!
É tempestade quando aperta
E tormentoso ao aparecer;
São pedras que duram e não partem,
que empatam o perceber!
Não te pareces?
Não nos parece?

Meias solas de ideias gastas que, veladas no tempo,
perecem...


1994


Alma que partiste

E nunca mais te encontraste,
Possuíste-me,
deixaste-me! 



Em nada me quiseste deixar,
Nem mesmo de me amar!?
Alma perdida, calma
como o fundo do mar.
Fevereiro 


Imaturas correntes de agir.
Que medo vigente,
Que folga tardia.
Angústia ardente neste desespero recente
De perdas e ganhos em folia.
Tudo isto para nos corrigir!
Fevereiro 



Cobiça vil que olhaste
E que nunca mais invejaste;
Todo o egoísmo de um ser
Que nunca mais quis ver
Mil palavras alheias
Escritas em tudo o que o rodeia!!!
Fevereiro 


Caminho iluminado
De coração despedaçado,
Que sobre morte se ergue.
Nesta corrente que em ti renasce
E que por sua própria vontade
Nada na morte que se perde.

Fevereiro 


Ondas me atravessam a mente
Sem sequer saber porquê?!
Imperfeitas como o vento,
Leves como o pensamento,
Contemplando o quê?
Pelo ar livre se espalham
E como tal não as posso ter.
Bela a leveza dos corpos que bailam
Na certeza magnífica e esplendorosa desse saber.
Fevereiro 


Verdes são os campos que se avizinham,
Novas as luas a me envolver;
Colunas rudes, vivas, de estonteante fúria,
Que na volta se irão desenvolver.
Março



Cartas descartadas
Em mesa redonda, voltadas...
De um lado bocas parvas
Que por moda são faladas.
Não havendo melhores cartas,
Só copas cortam espadas! 

Falsos corações descartados
Em mesa redonda comungados;
Atitudes perversas, disfarçadas,
Para o futuro remexem-se
Águas arduamente passadas! 

Cartas futuras, desconfiantes,
Sortes inseguras, desconfortantes.
Cartas que por si só
À mesa se tornam falantes! 
Março 


Nada, por assim dizer,
Saberei ao certo fazer.
Comer conceitos alheios
Á minha natureza e ao meu ser!

Não sei do que sei
Mas algo serei;
Porquê o farei?! Pois,
Assim não sei dizer!

Sol que mergulhas na ignorância
E que tudo esclareces
Traz luz a esta instância
Que de penumbra padece

Só depois pensei!
Março


O mais rico amor na amizade se conjuga.
O mais rico amor na amizade se atrai.
O mais rico amor na amizade se julga.
O mais rico amor da amizade sobressai.
O mais triste amor na solidão perdura. 
Abril 


UMA VIAJEM MARÍTIMA
A tristeza abunda no meu barco!
Que posso fazer?!
O barco afunda-se num buraco!
Em nada mais posso crer.

Paixão que arde de secura,
Monstro que perdura.
Palavras oníricas de delírio
No caminho da amargura.

O sol que se move sem parar
Que demora e encandeia,
Em nada mais nos faz pensar.
Barco que dá largura,
Medida e altura,
Mágoas em cadeia?

Em tal solene ocasião
Mares revoltos em opinião.
Porque se vira a razão
Em tudo aquilo que perdura?

  Maio 


Nos teus amados braços
Em teus velhos pecados 
Pisei a traços largos 
Vivos e persistentes abraços, 

Epopeias de segredos
Arruinadas por heroísmos. 
A ilusão nos fez credos
De tão altos egoísmos. 
  Maio 


PRIMAVERA AMOROSA
Quando o amor chega em silêncio
Como quando chove em bonitos dias de primavera,
Subtilmente, o calor aperta
Sobre o coração que desperta
No Equinócio que em nós se revela.

O amor,
Também se esconde na inocência que erra.
Mas este amor sente-se quando chega
Por mais distante que esteja
Entre abertas tonturas que o tardam,
Mas por abertas inconstantes que
Possibilitam que se o veja.

Ao amor,
A esse eterno amor que nos habita na terra.
Maio 

UM CICLO DE AMOR
Na primavera dos sintomas
Das flores, dos primeiros raios solares
A todos chegam, esses etéreos olhares...

No Verão adoçam-se os aromas
E os ventos aquecem; um rodopio
À volta de prazeres.

Porém, com o tempo,
Mudam-se as vontades e os ventos.
Nesses breves momentos
Onde caiem as primeiras folhas
E os raios solares, já ténues e sonolentos,
Arrefecem numa atmosfera fria
Calma, inerte, branca e transparente.

Mais tarde,
No fúnebre caminho da transformação
Ocultam-se e revolvem-se misteriosamente todos esses fabulosos passatempos!
Maio 

1995


NO MEU ACONCHEGO 

No calor de minha casa
No canto mais conhecido
Já há muito tempo eu pregava
Os sonhos que navegava
Num oceano distante e perdido.

No calor de minha casa
No canto do meu aconchego
Em más horas eu pensava
E sempre me lembrava
De tudo aquilo que desprezo,
Daquilo que mais temo.

Faltam dias, faltam horas
Faltam meses de desespero,
Para no canto de minha casa
Não faltar aquilo por que espero. 
Janeiro 


Roía-lhe os olhos nessa manhã de desespero,
Não eram modos o olhar de desmazelo.
Tudo sempre igual, sem piada...
Naquela manhã...
Tudo se revoltava.
Quase me doíam os olhos nessa manhã!

No mar de nervosismo existente
Apenas eu, pareço persistente
No olhar, no querer encontrar,
No não falar antes de pensar ...

Morreram nessa manhã certos momentos falsos
Construídos sobre múltiplos e rápidos decalcos
Decalcos atrás de decalcos,
Memórias rápidas
Sem hipótese de as poder travar.

Nessa manhã,
Só a mim me doía o olhar!
Fevereiro 


Acordei tarde, soube-me bem.
No sonho perdi-me,
Na alma esqueci-me.
Como pode o incônscio saber tão bem?
Fevereiro 


Palavras para quê?
Sentimentos porquê?
Verdades, falsidades
Conversas, olhares
E silêncios porquê?
Se pensas que está certo
Tudo isso será incerto ...

Voltei para casa com juventude nos pés,
Nos meus olhos, no meu corpo,
Percorrendo-me de lés a lés.
Na imaginação, espírito solto.
A intuição?
Tão nova és,
Tão nua estás...

Acontecia.

Sem data


1996


Estou sempre a falar contigo,
Estás sempre presente,
Seu vadio, meu amigo.

Faço de conta que não te ligo
Mas faço sempre conta contigo.
Inconsciente que se sente ambivalente...

Janeiro


Passam horas no vazio,
Na calma ao falecer,
Desce a inércia ao rio
Ao pensamento do ser.
Salvo o tempo das corridas, e de outras noites frias.
Passo o tempo no vazio,
Tempo de horas perdidas.
Abril 

Onde e quando parar 
Se a vida é movimento; 
Que futuro alcançar 
Para quem dorme ao relento, 
Assim como um nómada dorme no esquecimento ... 

Para quê perguntar 
Para onde vai esse movimento 
Que por vezes não vai longe 
Ou se move lentamente. 
É em vão que se continua 
Em tão travessa alma nua 
Que vive de contente. 
Abril



1997


A vida é, por vezes, um caos
Que nos afoga num mar de turbilhões.
Atormentam-nos rumores maus
Que em nós devaneiam
E nos arrastam aos trambolhões.
As pulsões são enormes
A mente, ilusões;
Qu’é feito das mentes pobres
Que no campo, já não semeiam
E por ora se torcem de compulsões.

O amor perde-se
A partir da sua própria vivência.
O mal do homem é conhecer-se
E deixar para trás a sua inocência.

Ao pintor,
Restam-lhe os pincéis
Que agora, sem ideias, sem cor,
Tropeça pelo chão em seus papéis,
Apertando o coração
Que chora de dor.

Fevereiro 

Pobre idealismo
Que vive solitário nos braços do seu não realismo.
Amargurado encanto,
Provinciano na génese do seu ingénuo recanto.
Em tudo reflecte seu isomorfismo,

Na construção do seu campanário
No universo, no abismo
Deste novo apanágio.
Será bom canto?
Sem beira nem síntese,
Sem pecador, sem santo!

A vida é um sismo,
Um tremor no santuário.
Mais um dia ou outro sinistro ...
Mais um pequeno estado mortuário.
O tremor é, no entanto,
A pedra filosofal de sua tese
..., pois nunca encontra descanso.

Maio

AS PALAVRAS MAL ENTENDIDAS
Na separação das palavras
O jogo afecta o sentido
Subversivo em cada face,
Apenas por essa face sentido.

O hieróglifo perde o significado,
Sua espontânea representação.
A tinta borrada, esvanece a imaginação.
O hieróglifo vive agora ao lado, na sua sombra,
Deslocado, noutro tempo, noutro estado.

Neste universo de valores
De crenças e amores
Vive o Homem deserdado
Da sua fala e seu fado.

Na morte!! No além ...
Não existem fronteiras nem desdém.
Há, talvez, fantasmas mascarados,
Bem bebidos e fardados
Tomando o juízo de alguém.

Junho 


Brinco, tranquilo, no pensamento. 
Falo mansinho sonhando. 
Abre-se de repente um vento 
De norte, que se vem soltando 
Na noite aguaceira e escura. 
Neste todo, sofro realizado! 
Alma fria, segura
Cristal de gelo quebrado. 

Num orgulho marcante. 
Saltam-me os olhos da fonte 
Fico sem beber por instantes; 
Perco assim essa fonte 
Onde navegam os infantes. 
Salvo o barco das marés, 
Da vida e do encanto, 
Do jogo no mar azul 
E em voz baixa canto, canto, canto ... 
Junho 


Rola-se, e enrola-se, no oxigénio;
Vai-se pela corrente,
Com toda a gente.
Como toda a gente.
Vai-se cego; confunde-se o assédio
No rolar do tempo
Que não existe.
Mas o espaço move-se apressadamente
Embora, já não haja tempo.
Salvo aquele que vive recentemente.

Este, sorri da imaginação do Homem,
Que refresca a sua mente
E corrompe o ser jovem
Envelhecendo brevemente.
Num olhar desesperado,
De passo apressado
Se reflecte o passado
Vivido no instante presente.
Não existe futuro nem passado
Apenas o tempo presente ...
Julho 

Bocejei a sorte 

Numa preguiça omnipresente; 
Conquistei a morte 
Saltando e voando, triste 
Vivendo o presente. 
Cedo trepa a era do jardim 
Pelo Verão cheio de gente 
Que salta para mim, 
Nesta porta que vem suavemente batendo 
E me anuncia o fim. 
Julho



1998

O sonho é alto e longínquo
Quando adormecidos!
O sonho é vivo e verdadeiro
Quando não fica esquecido
No meio de tantas outras noites!

Os elementos misturam-se
No tempo adormecido que sonha acordado,
Em todo o tempo que semeia ao nosso lado
Uma mente enrolada,
Para que a alma nunca se canse
De procurar o desejado.


Abril 


Salvo, na esquina, pelo olhar... 
Divago no segundo dum instante 
Que prefiro nem olhar. 

Esse segundo divagante 
Que torna a paixão na frescura do olhar 
Num mar distante. 

Salvo, pela esquina, a sorrir ... 
Junho 


DESEJO
É a arte do desejo que elege ao ser 
O fim de vir tecer o impossível, 
De criar, realizar, 
Sonhar... 
No entanto, 
O desejo é loucura, 
Fantasia desconcertante, ambivalente, 
Paradoxo contraditório; 
Relevante pecado, paradoxo verdadeiro, 
Puro... 
Mel que conserta uma rouca garganta, 
Perseverante na intensidade voraz do seu momento, 
Desvanece e descarta, para um outro tempo, 
A angústia do não viver. 

Atracado assim num real externo 
Persegue incertezas na escuridão, 
Tão vasta quanto um desejo terno, 
Uma loucura, uma paixão!? ... 
O desejo de evasão, 
De alienar-se do presente, 
Quebra o gelo do pensamento 
Enviesando-se em compulsões desmedidas 
De puro sentimento quente, 
Que, noutro tempo , mais além, 
Suaviza, tranquilo, impotente. 
Este vulcão que surge, 
Que salva o receio e banha o desejo ardente 
De se poder urgir 
No tempo que agora é desejo 
E se arrasta no pensamento, teimando em agir 
Por um precipitado movimento. 

Ignora-se... 
Quantos mais véus se tem 
Mais o desejo atormenta, 
Mais o segredos o oculto nos revela 
A ilusão e a vontade de nos perdermos... 
Julho 



Apelo à enfermidade como fuga para a frente
No desespero de não me sentir gente,
Assustado, na angústia de estar só
Desmazelado, na solidão do meu pensamento,
Sem pente.
Julho 


Perco-me na ilusão, no impossível 
Para poder crer no possível da paixão, 
Do viver sem razão, no intuito 
Longe ... mas astuto, 
Do instinto que me cerca ao chão. 
Algo se passeia p’las nuvens 
Da época, toda ela calorosa. 
Algumas mágoas vagueiam, 
Reféns ... 
Abre-se um novo sentido, sem sentido 
Da surpresa sempre irrequieta, 
Que passeia mais além. 
Sente-se o vento e a rega 
A foz do capítulo que se solta 
E se divide no sua proximidade ao mar. 
É, ao vê-lo na sua própria relação 
Que a foz se pega, 
Que o horizonte se alarga 
E a imaginação madruga 
Numa nova aura de sedução, 
De recompensa, tolerância e impaciência, 
De surpresa, de ficção! 
Julho 


A alma,
Que agora vagueia nos teus pensamentos,
Que sofre,
Que choca os teus braços
Cresce, neste solene instante de vida,
Ao te ver.
O ar,
Que fogo consome
E no paradoxo vagueia,
Borbulha,
num mar revolto de lama e névoa.

Ele e o outro, de fio a pavio
Sacodem o destino
Contra as pedras do rio.

Outubro 


Solta essas folhas vermelhas e caídas.
Olha o desespero desse olhar
Roendo o limiar do vivido
E as memórias do amar.
Amo-te singelamente e assaz!

Subtilmente escondo este turbilhão.
Sente esta alma capaz
De fazer correr um lindo coração.
A vida cheia e crescente
Salva-te constantemente
Desse ar que respiras,
Da cor
Que serias
Se houvesse romper uma semente
Após este fértil Verão.

Depois do vento e das árvores em flor.
Será urgente
Apaziguar essa tua subtil dor.
Novembro



1999


São mais as incertezas,
Porém, é onde melhor se pode ver
O mais certo que certo
Da incerteza de ser.
Soltar as malhas por onde mais me enlaço
É sentir o que de melhor posso ter.

Janeiro 


A natureza das coisas 
Que emprega arte em sua obra 
Sorri e fala delas 
No eterno movimento do seu próprio sumiço. 
Nesta Arte que sempre que pedes 
No tempo que passas, 

Vê-se, por fim, no reflexo do sorriso, 
Num punhado de chamas, 
De lanças, de espadas; 
No sorriso das crianças, 
De um vagabundo curioso 
Onde tudo parece começar. 

Sonhar com a natureza das coisas! 
Apanhar o sentido, recordar a sua solidão. 
Começar, cair e levantar de novo, 
Caminhar por entre as linhas 
Do texto à tempos solto. 
Voar na arte 
Nessa bela expressão 
Onde Comunga a falsidade, 
Pois a mentira é a verdade; 
Dessa nova comunhão! 

Artisticamente esgota-se a paixão 
P’lo esgotar natural e subtil 
Quando se sonha em vão, 
Quando se solta a vida 
E a verdade da arte qu’a anima, 
Volátil se afirma, 
E muito comunica o seu perfil. 
Elege-se soberana a liberdade 
Outrora oculta, 
E que agora se avulta 
Para mais um interminável fim. 
É na passagem de um lado ao outro 
Que o mágico limbo oculta 
Uma forma tão subtil. 

Apenas de manhã bem cedo, 
Quando os anjos nos acordam sem medo, 
E nos sossegam o sonho realizado 
Pela angústia dessa noite... já preconizado; 
E que na eternidade se retorna à verdade, 
A toda a sua liberdade e vaidade, 
Como no comportamento pueril de uma criança 
De um sonho que sossegou tal anjo senil. 

E, 
Assim se oculta, para sempre, 
A passagem de um estado para outro; 
Apenas sonhando 
Ou na procura duma arte em metamorfose 
Se encontra tal estética, tal osmose 
Por onde espíritos vão passando... 
Janeiro 


Sobre nefasta névoa se vêem vultos 

No tempo e no espaço que nos cerca; 
Sobre uma límpida aurora se ouvem pássaros, 
E sons, na espera de uma nova Primavera; 
Sobre o velho crepúsculo se sentem alegrias e tristezas 
Da alma que à sombra da noite se eleva; 
Sobre a noite e o dia se deitam os anos 
E a sabedoria que tanto nos apega. 

Passos sobre os quais se peca! 
Fevereiro 


NÚVEM
Solta-se a alma gritante e transparente
Salva da sua origem tempestuosa
Que, agora, mergulha suavemente
Em mim.
Nuvem,
Espessura de memórias
De loucas glórias,
De uma relação distante
Solta, livre e comovente.
Sente-se a nuvem
Que por mim passa
Que a imaginação envolve
E te embebeda loucamente,
Que te enrola e te abraça,
Que te eleva e te revolve
Neste teu olhar tão distante.
O pássaro que pela nuvem passa
Do ninho se liberta,
Da alma se desperta
E se enche de graça
No bater da asa
Por esse imenso céu azul,
Tão brilhante!
Essa nuvem que se consome com o tempo,
Que no tempo se transforma
E que do teu olhar depende;
Não passa uma hora
Em tal sumiço angustiante.
Mas a perda de uma forma,
Acumula angústia, agora vigente,
E acende-nos a memória
Do que amamos calorosamente. 
Março 


No labirinto daquela enorme viajem
Arrastei esquinas e finitudes
Que não notei.
No labirinto daquela enorme miragem
Vi chuvas e inquietudes
Que não sei.
Selam-se marés nas terras do lago fundo
Na sombra do tempo e do infinito,
Retorna à alma o sentimento
Que deslumbra esse enorme labirinto.
No céu, a nuvem corre devagar,
Estando alguém a contemplar
A viajem e a miragem
Dessa nuvem que muito quero navegar.

Março 



É húmido e ténue o traço
Que une compostos diferentes.
É estranho e inexorável o passo
Que alimenta rostos sapientes.
Assim é, também, a estrada
Que nos leva à torre, à morte
E à luta cega das gentes. 

Sem dormir, aguardo o sono
O sono que eleva o amanhã
Que seja outro que não o de hoje,
Onde no descanso do hoje
Se regressa à sorte de amanhã. 

Junho 


Chegou na hora
A verdade e a mentira.
Em boa hora
Essa saudade brilha
E, em sua demora
Fervilha.

Mais uma vez se escapa
A verdade
Que se perde por toda a parte,
E a mentira
Que em toda a parte mina
A verdade que nos ata
P’la mentira que predomina.

É razão
A mentira sábia,
E vontade a verdade vadia
Que vagueia pelo coração!
Outubro 



O tempo é a quebra do momento
A solidez do bem-estar,
A evasão do pensamento.

É sóbrio o olhar do tempo
Ao invés de um tal momento
Que no tempo se move
E os sentidos comove
Suavizando o sentimento.
Outubro 


Estava à janela
Do mundo (;) do meu quarto.
Sobre ela soava
As gotas desse lume.

A janela de portas abertas
Onde lua agora repousava,
Naquele quarto, naquele ulme.
P’la noite adentro sonhava
O belo rosto dela.
Dezembro


2000



Nesse todo fértil
O engano é constante
Ao olhá-lo,
Negligente...
A razão perde, e o juízo
Dessa libertadora mente
Sonha submisso,
Vê o quanto eminente
É a unidade desse todo,
De toda essa gente.

O elemento dos elementos
Muda de cor,
Por momentos, ao ser outro
De alegria ou sofrimento
De felicidade ou dor
Tudo, ao mesmo tempo.

Impermanente é o todo
Desses estados permanentes
Rico, generoso,
Solto em todos os outros elementos.

É aprazível a forma
Da noite e do dia
Onde o todo se transforma
Numa constante dança de alegria.
Janeiro 


Sem medo, ignorando
O que realmente se sente
Na verdade dessa ilusão.

Saberes e haveres
De conhecimentos e novos ventos.
Sonham agora de contentes
Nas pradarias e salões
Onde,
Ninharias e tostões
Estão sempre iminentes.
É uma ponte
De nobres momentos,
De novas solas
De novos varões.
Maio 


São Momentos,
Os nossos dias e cóleras;
São tempestades ao sabor de ventos
Inconscientes,
Que nesses instantes serão pensamentos
E ilusões sóbrias.

São paradoxos
Nossos dogmas ortodoxos
De pais e outros olhares vagarosos
Que mais atrás deixaram de ver.
De contrários e modos
São eles preguiçosos
Para voar e compreender.

São Lugares,
Muitos deles antes famosos
Pois a inconstância do devir
A alguns torna odiosos
Por não olharem ao que está por vir.
Agosto 


A chuva que cai,
Que enche o tanque, seco
Pelo sol de outrora,
É Tempestade,
É Súplica da dor: - Ai!
Que se arrasta no eco
Para lá do tempo onde Deus mora.
Tempo de eterna saudade.

Agosto 



POR DENTRO E POR FORA

- I Parte – 

Sobre o fim!
Nunca havemos de contemplar.
Nem nos montes do saber
Ou no universo do viver
Do querer e do amar. 

Sobre mim!
Nunca irei saber acabar
Os labirintos do ser,
As sofias do beber
Do conhecer e do falar. 

Sobre a alma!
De uma paixão adormecida
Sem solidão, sem vida,
Que percorre na melancolia
Uma estrada perdida
E uma sensação à vida,
Desconhecida... 

Enrola-se sempre na agonia
Do coração que sempre a salva. 

Vivo e eloquente.
É presente o sentimento
Da mente, do pensamento.
É vento o breve momento
Ao qual a razão mente
A um belo sentimento
Que arde loucamente
Por fora e por dentro. 


- II Parte - 



Os vales e os montes
De flores e mitos (mimos) escondidos,
O lago e as fontes
O céu e a terra dos mendigos
Trazem sempre luz a novos horizontes. 

Os verdes, os amarelos
Os azuis e os vermelhos.
As bolas, as rodas,
As crianças e os velhos.
As crianças... 

As sombras e o escuro
Os medos, o futuro.
Os bosques e as clareiras,
Oráculos e muros.
Os buracos e os burros... 

A água e a vida,
A terra toda ela florida
Por nascentes e rios
Correndo por vales sombrios
Onde,
Aves e peixes,
Homens com armas;
No seu conjunto se deleitam
Em sobrevivências raras! 

Árvores e fantoches
Espantalhos e mortes;
Sonhos, vontades, desejos
Fastios e sortes. 

Em todos os opostos
Coexistem buracos e pedras
Fantasias e fantasmas
Diferenças, igualdades e rostos. 


- III Parte - 


Ouve o canto do pássaros
Num campo, ao longe;
Serão salvas as feridas asas
Arrastadas por esse hábito de monge. 

Nobre, Claro.
Sábio solitário! 

Setembro 


Na janela, os teus olhos;
Na ideia, a tua mente,
Que sobre eles se absorve
E nela vagueia lentamente...
À roda do lume eles vêem
Um corpo que irrompe
P’la madrugada fria e nua
Onde se vê pouca gente.
A viagem? A história? O outro lado?
O outro lado que em ti desaba
E te arrasta para frente.

Sem data


Nos teus amados braços 
Nos teus velhos pecados 
Lá se movem, a largos traços 
Vivos e persistentes abraços. 
Epopeia de segredos 
Consumidos por heroísmos 
Em tão estranhos destinos 
De uma ilusão que nos faz credos 
Sem data


Com tantas coisas para fazer,
Perdi-me no hábito de voltar à imaginação,
À conversa sem medida e virtuosa,
Que sobe com paixão
E nos faz viver intensamente
Esse singelo momento
De poder partilhar o infinito.

Temo perder-te
Como a alma pode perder o coração;
Somo por ver-te
De vaidade e alma na mão;
Adoro teu rosto
Que trago por perto, meu irmão.

Afogam-se mágoas
Cobertas de cor verde
Que sonha o teu gosto
P’las passadas águas;
De todo, por sorte
Te livram do busto
De toda a morte,
Por mim feita de ilusão.
Sem data


Flor Bela
Ou minha bela flor! 
Não sei se foste semeada
Ou se foste tu plantada
De uma qualquer outra dor! 

Viajas subtil entre teus ramos
De um ramalhete cheio de cor;
Sobressais, sempre, no olhar de quem passa,
Quem sempre te olha cheia de graça
Com o imediato desejo de ser pintor! 

O teu verdadeiro olhar compreende
Tudo o que no quadro nunca se entende;
É apenas aquilo que nele se sente
Aquilo que emerge de uma força maior! 
Sem data


2001


Água turva, sem juízo.
É alma que se perturba,
que navega sobre o corpo infinito.
É água suja, sem brilho
que atormenta uma alma sem guizo.

Ninguém te ouve!
Ninguém te vê, ou sente.
Nunca ninguém te teve
nem pode alcançar essa mente.

Ouve tu, os pássaros da noite
que te oferecem o luar
e que te sentam, por ora,
à beira mar;
sentado num açoite
evocando o rio que na corrente te trouxe.

Na foz do riacho
desaguam sortes e lágrimas
acompanhadas por ventos e chamas.
Na bonança prolongam-se até ao facho.
Das dores sobejam lástimas
e das sortes sobejam fortuna,
ou,
das sortes dissiparam-se as lástimas
e das dores se forjou o ouro.

Águas limpas que na sujidade ganharam a sua cor!

Janeiro 


O sonho desperta e espreguiça-se para nós.
É a alma que liberta de todos os nossos nós!
O inconsciente universal
que nos une na distância
liga o mental ao corporal
e alimenta-nos a esperança.

O Chapéu lilás
que me deu o meu pai,
é tão lilás quanto verde e vermelho,
e, por ventura, traz paz
que brilha contente no seu seio.

O chapéu é estrangeiro,
de um lugar longínquo,
nunca visto por aqui!
No méxico é sombreiro
no Alaska é insólito,
no chão de um quarto,
sorri agora para mim!
Aquele chapéu passageiro.

É uma estrada que desce ao monte
e assim que desce , já o subiu.
Vem do alto sonhando
vem solta como um rio.

Por ela passam carros de bois,
potros e outros selvagens.
Por ela subiram os mestres
e desceram as bestas.
Do alto da serra observo as estrelas.
Março 

SONHO & DESEJO 
O desejo é paixão
Rápida, terrena, palpável.
Coercivo, e após satisfeito
Retorna à sua inicial ilusão. 

O Sonho é Real,
Uma realidade imensurável
Que envolve a vida num leito
E que navega rente ao chão. 

O desejo baralha a vida
Precipitando-se ao Coração; 
Muitas vezes, afasta
O sonho que em nós habita,
E desgasta
A intimidade, da alma
Que no sonho se deita
E celebra a sua animação. 

Afinal, porque
Ao desejo se dá mais carinho,
Mais atenção,
O sonho apenas responde vizinho
Ao apego que tanto dá ao coração. 

O sonho é superior,
Inspirador de presságios
E grandes mutações.
Ao desejo,
Entrega seu brilho
Perdendo assim o seu caminho
E tornando tudo inferior. 
O desejo acaba
Por celebrar comuns adágios,
Vangloriando-se por meras canções. 

- § - 

No Sonho, a verdade
Esconde-se num prazer
Que ilude a realidade
E o desejo de ter. 
Porque ter? Quando
O que importa preencher,
É essa longa saudade
Tão vadia e já distante
Em nossa memória errante
De eternamente querer ser! 
Tal tropelia, quando revolta,
Age na crista
E deseja glória, glória
Que passa e não volta,
Glória triste e sozinha
Que errante caminha
Sem vista,
Sem história ...
Perseguindo o desejo que a fulmina. 
Em que fado cruel
Se esquecem os sonhos
Que no tabuleiro são risonhos
Tal como mel;
Mel puro que no íntimo somos. 

Sonhei assim o desejo,
Desejei o que não vejo,
E o que não vejo invejo.
Mas o que invejo não é o desejo
Mas sim o sonho,
Pois nessa realidade suponho
Aquilo que em minha alma almejo. 
Março 


Vou tentar,
não me perder
nesse caminho iluminado por ilusão.

Vou querer,
parar em tudo o que acho
e que recolho dentro do coração.

Vou sentir,
e sonhar o que vejo
mergulhado numa lagoa de emoção.

Vou supor,
que afinal também sou cego como os outros
e que navego pela razão.
Julho 


Só te tenho a ti! Linda, como um véu.
Hoje guardo para mim
todo um passado onde senti
a tua luz, p´lo meio do breu.

São asas que me pões
são dias em que me menti.
Dobram-se as almas nos porões
soltas pelo barco que parte
todos os dias, para ti!

Depois de alguns dias
lá se regressa à Terra Vista.
O sal do mar alto quase secava
toda a perseverança que por ti lavra
nesses soalheiros dias!

Quando olhas para mim,
teus lindos olhos murmuram
um rol de ditos sem fim!
E assim bebe o aventureiro
por usufruir de tão bela vista!!!
Agosto 


Ela e o Sofá

Acordo-te agora ou depois do sonho?
Ou adormeço risonho
A pensar em ti ...

Entrego-me a ti,
- Fala o amor!
Consigo o que quis?
- Fala o pudor!

Mais não digo
e mais não penso
pois secreto é momento intenso,
para onde eu sigo
envolto em suor...

Suavidade no gesto,
repleto e reflexo
na magia de uma resposta com retorno
em suave contorno.

Ao centro ia
directo
para (me entregar (hoje) só a) ti ...!

Sou Raúl,
Poeta,
morte de muita coisa,
de muitas dores, de muitos sentires.
Vida de todos os fenómenos
que dessa luz se cercam
e assim reflectem
o olhar das mentiras e dos saberes.
Setembro


AS TORRES
Mundo,
movimento tão fecundo
tão vazio,
Tão cheio de desdém.
É o mundo que hoje chora,
e agora ímpio
navega violento, destrutivo,
para um mundo de ninguém.

Nunca estivemos tão unidos
em tão grande desunião
em tão atroz individualidade,
nós, agora munidos
de mentira e 
privilégio,
agora sempre prefere o umbigo ao coração!

Que desmedida brutalidade
cega, mas guerreira de acção,
a todos faz sofrer desta insanidade
por tão enorme ilusão!

Este mundo nosso
deixou o sonho,
deixou de viver em comunhão,
abrindo caminho ao ódio
ao escuro e à inveja
totalitária, sórdida e incólume.

É uma escalada que sobe,
que amor nega
e da realidade se desapega
a favor da unanimidade
de apenas um milhão.

O ódio agora consome
as cinzas por onde
o amor por'ora dorme
e onde a vaidade se assume
plena, vital...
tal manual
de sobrevivência e humana conveniência.
Ouvem-se apitos,ruídos por todo o lado.

Vêem-se maniqueísmos,
manipulações que se encobrem em surdos zumbidos
por entre a população.

Ruídos esses que são
feitos desesperados e mergulhados
numa enorme incompreensão.

O que é belo,
feio, frio e hediondo se tornou.

Setembro 


Escrevo a pensar em ti
para que estas saudades de te ver
não se crucifiquem numa angústia doente,
mas sim nestes versos sem fim!

Como te sentes?
(...)

Anseio por te presenciar novamente,
meu amor.
Tua voz,
Teu sorrir, faz-me falta,
Pede-me que te ouça uma vez mais
... e uma outra vez, e outra,
e vezes sem conta até eu próprio me perder.

Anseio o teu olhar. Ao escrever-te,
ao despejar-me nestas palavras
liberto-me uma vez mais,
agora à luz desta vela que
hoje alumia estes versos e linhas
que nuas tecem suavemente
A vontade de te amar!

És verso, prosa e cantar!
Eu sou assim, vagabundo
e navegante desse mar!
Desse horizonte incerto e controverso
por onde caminho e tento estar por perto
a fim de nele algum reflexo encontrar,
algum teu eterno gesto
onde possa vir a repousar... em ti!

Recordo uma vez mais o contínuo presente
de afecto permanente
e deste grande universo
simples pelo verso d’encontrar.
Hoje sinto-me disperso
por entre as linhas deste verso
que lentamente me sai do imenso inconsciente.

Inconsciente imerso
num grande credo
que por um enorme medo
por vezes, sai pingando, avesso.
Setembro 


A quietude
A harmonia e a paz
Encontrarei contigo
Cheio de plenitude
No saber que só o tempo traz.
  Novembro



2002


A luz eu vi ao nascer 
A luz perdi ao crescer
Ao vale desci sem saber
À montanha subi, pra ver
Que não existe princípio nem fim
E que não há amor sem crer.
Janeiro


AMOR E DESEJO
No amor está o reencontro
O reencontro com nós próprios,
O reconhecer de nós mesmos
nessa polaridade entre dois pontos
Onde o desejo nos desafia
e nos pendura de tempos a tempos.

O desejo energiza
o encontro dos corpos
e as ondas psíquicas que nos envolvem.
Dá calor ao movimento
Para que as almas se unem
numa sincronia e liberdade de opostos.

As vibrações activam o amor inteligível
que intelege e dá forma a tal interacção
entre dois corpos
que na alma penetrarão nessa simples redenção.

O amor é inteligir a relação
Esse movimento entre almas,
Entre corações e corpos.
A forma aparece na compreensão,
No conhecimento das limitações do outro.
Amor é o gérmen da vida,
Da forma suave
Que, polarizado pelo desejo
Se imortaliza
E eternamente será renovado.
Janeiro


VÉNUS
Amar é conhecer!
A paixão traz o gérmen da sua própria morte.
Morte da dependência que traz liberdade,
Que do karma não faz parte
E do saber não é a sua sorte.
Amar, é não depender!
É sorrir ao conhecer o outro
É ver a inexistência do perfeito.
É tombar a cabeça ao peito
E assim compreender.
Janeiro                                                                   


Olá Amor.
Sinto-me bem!
Vivo-te do meu interior.
Sabe-me bem!
Sentir esse teu calor.
Sinto-me livre
Neste eterno teu vibrar,
Unido,
Na forma de te amar.
É novo
O todo que me devolves,
O desejo dianteiro
Que se atrasou, sorrateiro
Para que o amor,
Assertivo e revelador
Passe à frente,
De expressão comovente
Intelegindo o caminho do instinto,
Que segue distinto
Em sua forma de agir
E que tanta falta faz.

É brilhante,
Sonhar-te acordado
Falar-te lado a lado
Numa harmonia de paz.
Não querer-te possessivo
Mas sim envaidecido
Do amor que nos traz.                                                                    
Janeiro


As ruas claras e soltas da amargura,
limpam agora o ar que respiras.
Retiram escamas de tua armadura,
que por tanto tempo recolhias

Soltas,
as vozes
dos gritos das pessoas
aquecem as ruas agora coloridas,
vestidas de uma outra cor
que brilha, nova entre suas
mãos quentes e nuas
que o tempo confundiu;
Entregue a braçadas
noutro tempo sujas, e queimadas
pelo vento e pelo frio.

Rainha,
Rainha de paz,
de branco e lilás
que em meu coração jaz.
Minha menina,
que ventos de amor traz
que poliniza minha flor mais lilás
p’ra comê-la de seguida...

O teu olhar encerra-me,
absorto, mas brilhante.
Soma-me a vontade de te envolver pelo amor,
que errante,
nos salda a dor
do ego infante,
Infante ferido em suas jovens asas
do seu solitário destino.
Pedante ínfimo de massas!

Com amor te procurei
e com ilusão te prometi
o que hoje achei
e para lá perdi.
Com amor me encontro,
libertando-me pouco a pouco.
E do medo que já perdi
tenho vontade de te ver
depois do que te vivi.

Apetece-me abraçar-te
Percorrer teu lindo corpo
aquecer meu peito
que se solta para ti.

As águas correm brilhantes
e suaves âncoras se encaixam
no leito do rio lilás.
Numa escadaria majestosa jaz
O segredo que nos une a nós
mutantes do ser e do sentir,
viajantes de um amor indómito
que nos traz a sós,
num só.

Cansei-me de uma parte de mim.
No fim, sorri!
Voei três vezes.
Três vezes sonhei.
Senti ,uma voz que se aproximou.
A sua vontade soprou logo que a ouvi.
Sim,
doce e singela,
que vontade sopra assim?
Vinde, vinde vontade de todos!
Março


Mosca, molusco, mola de marfim
sonho sonhado, molhado no fim.
Salta essa corda que te prende ao pasto
solta esse brilhozinho de ti!

Segue sentado, de pé,
deitado, molhado, sem ré
olha de lado, olha de frente
segue teu rumo remando a fé.

Sonho vadio roendo o vazio
real concreto, rígido e certo;
Afectos coloridos pintando o vazio
na vida da vida correndo seu rio
Março


DAMA DO MAR
Minha dama do mar,
que linda estás!
Por que águas navegaste
e que ventos apanhaste,
que por tempestades e vontades mais
a esta praia vieste dar?

Que mar! que beleza de mar!
Que dama tão bela me veio vingar!
Que cheiro a conquista nos paira no ar.
Solitude avessa, não mais.
Conquista adversa que nos faz amar!

Pé ante pé,
não te quero prender.
Dar-te-ei uma flor e vê-la-emos crescer!?
Então vamos lá ver
se murcha ou não murcha
esse pequeno dever.

Minha dama, senhora do mar,
que prazer em vos conhecer.
Abarcai, não tenha medo...
dar-me-ei a conhecer.
Que riso tão bonito,
que satisfação tão solta,
aceitarei tal destino
em viajem milagrosa!?

Mostrar-te-ei meu caminho
unindo meu destino
a dama tão preciosa.

Solta-te, meu amor.
Nadaremos juntos ao fundo do mar,
respirando bolas de ar
e de mão dada ao amor.

Liberta esse amor preso
em mares de nevoeiro,
em noites e dias de marinheiro,
e que agora se abarca à costa
de um gentil forasteiro...
Março


Evasões, pequenas evasões.
Tudo pequeno, tudo evadido.
Evasão sem sentido, sem razão.
Sentir a razão,
intuir o perceptivo,
Caminhar pelo chão
ouvindo um sexto ruído.
Sujar a mão...
sentir o vivido.

Uma pequena evasão
por uma pequena mão,
sair pelo imaginado
de um real desfraldado,
em seu peso absoluto,
taciturno e corrupto.
Uma pequena necessidade que evade esse bruto.

É tudo e real o pensamento do sonhador!
Março


DA JANELA PARA A PRAIA
Ama-me.
Diz-me.
O meu olhar.
Apetece-me brincar.
Luar.
Ao luar me apetece brincar.
Suar.
Suar ao luar.
A lua sorri.
Sorri para nós,
A sós,
no meio do mar!
Eu vi,
correr o suor,
num pranto de amor
inflamando o redor
com seu sabor.
Tu.
P’ra ti.
Uma estrada sem fim.
Simples.
Com muita cor,
um espaço de mim,
um espaço de ti.
Espaços sem fim,
ali,
p’ra ti e p’ra mim.
Abril


Quero-te suave como és
Conhecer-te simples.
Seguir teus egos, teus sismos
Tua amizade e tuas manhãs.
Nem sempre me vês!
Mas sabes que estou a teu lado,
Sempre!

Aberto o caminho
Em teus passos verás
Que te amo a ti
E dentro de ti amarás.
Celebra o teu coração,
Num segundo feliz,
Ao dar-te a minha mão
Plantar-te uma flor
Aquecendo-a ao sol
Dando brilho à raiz.

Frases, poemas, palavras
Amor, sentimentos, união
Escritos e parábolas
Apelam-nos ao coração.
Neste poema serão sagradas.

Ouço-te todas as noites
Falo de mim e de ti,
Do amor que sinto
E do que fizeste tu de mim.
Fujo por momentos
Evadido por ti.
Suave o valor que sentes
Que transmites assim!
P´lo calor solvente
Numa cama ardente
Tu te voltas para mim.
Amo o teu corpo
Sentir o teu beijo
E à alma respondo
Com um leve desejo...
Quando penetro no teu corpo
Na alma te toco
Por um imenso fogo
De amor e paixão
De união e de sorte...
Maio



São os olhos de marfim,
É o coração de ouro
Um sabor sábio
Numa estrada sem fim
Num valor duradouro.
Um sorriso no lábio
Revolto e envolto em mim...
Junho


FREEDOM
Evolving mysteries
after the consciousness of the being,
solving puzzles on the light
to live shininess in our deepest dark,
over depressed major layers
from the soul’s path.

The surrounding and evolving
mysteries of our night,
are the north light,
the lead sign positioning one’s
to his evolutionary door...

Bring back the past
to feast and cease with the present,
to embrace and seal the ongoing role
of actors and readers
From our evolutionary journey
through the meaningless motion
that one’s ever will pass,
and of that what will reveal an inner steam
of learning and memories
from the energy of your own unfold property.

Freedom is a notice of your shadow!
Outubro



2003


TEREI QUE PARTIR?
As amarras que se soltam do cais
Onde outrora violentamente atraquei
Fazem soar novamente as buzinas
Rumo a uma nova infâmia de aventuras,
A um outro tempo, ao mesmo tempo
Que, de fortuna em fortuna
Se procura mais além.
Soltam-se as cordas rumo a uma nova viajem
Sem destino nem paragem
Conhecida ou vivida,
Sem sorte sabida
Se parte inteiro noutra viajem sabida
Em mais um mergulho na multidão.
Não sei se serei!
Agosto


NA POESIA O MEU ESPELHO 

A poesia é como o imenso mar
Que o céu espelha
E a terra banha
Numa imensidão misericordiosa
De suas águas,
Alma de todo o planeta.
A verdade procuro e nela me revejo
Adoeço e ressuscito
Imerso em tão vasto espelho,
Por vezes no velho desespero
Desse enigma que tantas vezes revisito.
Misterioso abismo submerso
P´la vontade que remexo
P´lo brilho que vejo
Nessa verdade saltitar,
Na verdade do amar!
Agosto


REMAR CONTRA A CORRENTE
Sou alma e Gente 
De amargurado sentido, 
Sou serpente que mente 
No vigor de quem está perdido. 
Salto no tempo, vou em frente, 
Rumo rio acima, caloteiro 
De pedra em pedra lima 
Escorregando, sorrateiro, 
Em busca de minha mina perdida. 
Agosto 


UMA SEMENTE DE ILUSÃO
O sonho sonhado em ti
De dentro e por fora,
Alma regada, por fim.
O amor é o grande pecado que nos une,
Que nos solta para o lume
Da vida e da grande criação.
As chamas são asas soltas
Que outrora, das terras prisioneiras e remotas
Para trás deixam cinzas que se elevam,
Esvoaçando a alma que leve se solta,
Uma vez mais caminhando pelos céus
Após renovada purificação...
Nas cinzas fica o sonho sonhado com amor.

Deixo-te no parco caminho
Que por medo e egoísmo encarcerado
Gela no teu coração!
Pela arrogância que sobeja
E vermelho arde sem razão,
Pela mister atitude de na areia colocares a cabeça
Por preguiça ou inatitude
Desgoverno de tanto mimo e desregração.
No entanto,
Nunca deixarás de ser a donzela,
Rainha e senhora do meu coração!
Até sempre!
Setembro 


Um soneto arcaico, à guisa do século XVI, para a minha querida Dama do Mar.
Então, por ora reza assim,
Perdoai-me, minha flor, a veleidade
– às quais muito sou atreito
Em momentos de mor aperto –
Mas que por vossa honra e bela formosura,
Minha eterna e mister vaidade
Que não deixo de abrigar no peito,
Esta sublime música vos oferto
Para que em minha ausência e saudade
Possa andar mais por perto.

De alma e coração, mil beijos arqueiros...
Setembro 


VERDADE INTERIOR
O que vem de dentro 
Vem verdadeiro e assaz 
Sem razão, sem tempo. 
Apenas se sente essa corrente 
Que sempre expele água pura 
E que ao tempo não mente 
E com ele a paz perdura. 
Setembro 


PELO CÉU E PELA TERRA
Lá fora a chuva cai,
De mansinho o Outono vem uma vez mais.
Surgem saudades enormes do nosso ninho
De amor, de carinho, de paz.
Ouço a chuva
Dividindo-se em milhares de gotas e sons.
É um tempo molhado,
Como os beijos no teu pescoço,
Nos teus peitos, no teu sexo...
No deleite que em nós há.
Contemplo tantas vezes as saudades de te amar
Na chuva, ao vento
De dia e de noite,
Qualquer que seja o tempo
E em todo o tempo te quero mais.
Observo o que nos pertence,
E o pouco que nos separa
Que não se fortifique! Que não vence!
Pois o céu e a terra nos amparam.
Outubro


UM ANO DE NÓS
Ano de água
De memória.
Sem terra nem pés no chão.
Ano à deriva em barca molhada
Escorregadia,
Numa confusão de emoções e razão.

Foi um tempo do passado
Repetido passo a passo
Para lembrar que há um futuro
Resolvido o passado
E aligeirando o traço.

Nós somos amor
Paixão, calor, utopia.
Somos água, fogo e ar,
Somos terra à vista, harmonia...
Vento, céu, nuvens de vapor
Somos chuva e sol,
Somos nós, Amor.

Há um rio
Que não pára de correr
De fio a pavio,
Por vezes a arder.
Há uma nascente na serra
Muitas pedras em seu leito,
Há um homem que erra
Que te ama e espera no peito.

Há uma vida,
Duas, três…
Que não se encontra perdida
Ao enlaçar-se uma outra vez.
Outubro 


ÉS ASSIM
Sonho-te todas as noites
Novamente, a ti!
E sempre a ti volto
Sonhando sem fim.
Outubro


NOVEMBRO
A morte é apenas uma passagem 
Embrulhada pela chuva e pelo vento 
Que passeia desnuda em aragem 
Nas montanhas e nos vales ao relento. 

É um tempo de transformação 
De renovação e novo alento, 
A passagem oculta de escorpião 
É o tempo de Novembro. 
Vestidos por fora, despidos por dentro. 

No interior encontra-se a chama 
Que cozinha o caldo da poção. 
Mágica ou não, ebule 
E reveste de novo vida 
Novas folhas às velhas raízes 
Às futuras flores e frutos. 
A memória passada assim alude 
Ao tempo que é rei
Que transforma e dimensiona 
Novas, às velhas formas
E ao longe nos acena 
Num gesto imortal 
Validando a lei divina. 
Novembro


O ÚLTIMO DIA DE NOVEMBRO 
Ao chegar a casa 
Pela manhã, procurei o sono 
Deitando-me sozinho com o cansaço. 
Deitei à almofada o seu dono, 
Pendurei no cabide o casaco 
Que trazia comigo ao ombro. 

Uma manhã chuvosa aclara 
Mais um domingo no mundo,
A rua deserta combina 
O meu lado vazio da cama 
Sem perfume, 
Sem chama 
Sem lua nem sono profundo...

Perdido sozinho em mais um domingo, 
Moído pelo veneno da noite, 
Intoxicada de fumo,
Surge o bater das oito. 
Soltei-me pela imaginação 
Da tua beleza e paixão 
Sem princípio nem fim. 
Passou assim esbelto este tempo 
De cansaço e sentimento. 
Em tela e cetim.

No meio de tanto cansaço e escuridão 
Fiquei desperto, quieto 
Esvoaçando pelo tecto, 
Abrindo luz e voz ao coração. 

O tempo é rei 
E tu és rainha, 
Mulher,
Única e divina 
Através dos dias e dos anos em flor, 
De caprichos e amor. 
Sonho de todos os sonhos 
Que desde sempre sonhei! 

O cansaço confunde-se uma vez mais no sono, 
Nos lençóis, nas horas e no sonho. 
Agarra-se à almofada vazia 
Num pequeno aperto de solicitude. 
Fecha os olhos e solta um braço na noite fria 
Procurando, por fim, o sono em quietude. 

Num último instante, 
Pela nesga da porta, um clarão. 
Uma manhã infante 
Que amadurece 
Na imaginação de ti 
Que sempre adormece 
Este teu eterno e meigo coração. 

Amo-te uma vez mais em silêncio …
 
30 de Novembro de 2003

2 comentários:

  1. “Ser poeta é ser mais alto……é ter garras e asas de condor!”

    Poesia que segundo o Poeta “materializa uma afectividade juvenil rica e instável”
    Uma década…
    Um regresso ao passado em pedaços da vida que passam a fazer parte da memória:
    Emoções…sorrisos…arrepios…época da mais pura inocência, perdida por vezes tanto nos labirintos tortuosos do amor como nos prazenteiros!
    E é este inimaginável concentrado do “AMOR” que se torna fascinante para quem ama a Poesia.

    Obrigada por me ser permitido saboreá-la!
    Magnífica… Exímia…Divina!

    Aguardo com alma poética o segundo “decanato”!

    “Semente de Tamarindo”

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  2. Bonitas palavras ...
    Fico agradecido :)

    Só o Amor é Real

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